Num canto solitário de uma floresta distante, vivia um velho eremita. Seu cabelo e sua barba eram longos e brancos, como se fossem neve deslizando sobre as montanhas geladas do norte. Morava em uma aconchegante cabana de bambu e telhado de madeira rústica. O casebre possuía pequenas aberturas que serviam como janelas pelas quais se avistavam os cumes cobertos pelo gelo e pela neblina da madrugada. Uma porta baixa era insuficiente para a estatura do velho que quase não passava por ela. No interior havia três repartições, mas a serventia de cada uma delas não era bem definida. Contudo, o lugar preferido do eremita era uma lareira onde se acomodava nos dias frios. Não eram poucas as horas que permanecia estático contemplando as chamas. Era o altar do devaneio, da poesia, da música, do sonho, do amor, do desamor... Da solidão.
Ao lado da cabana, passava um pequeno riacho com águas tão límpidas que era possível ver os cardumes ao cair da tarde. Para transitar entre suas margens, foi feita uma pequena ponte com o tronco de uma árvore. Além da outra margem passava uma trilha que descia o riacho e sumia por entre a mata fechada. Durante o dia, vários tipos de animais eram vistos correndo em busca de alimento. À noite, sapos e grilos quebravam o silêncio e o velho deixava seu solilóquio para apreciar sua música.
Como nunca havia cruzado a ponte e o mundo do outro lado do riacho era estranho para o velho. Apenas ouvia falar dele pelos viajantes que buscavam informações a respeito das trilhas e acabavam contando várias histórias. Os mais apaixonados contavam das belezas, dos amores, das donzelas, dos sabores... enquanto os desiludidos preferiam falar dos assaltos, dos assassinatos, dos temores... Precavido, o velho sempre optava por permanecer em sua casa. Era mais seguro.
Num determinado dia, os ventos começaram a cantar forte em sua casa. Em suas vozes, melodias de lugares distantes, sonhos de criança que jamais seriam vividos se permanecesse naquele berço eterno. As canções despertaram entidades secretas. Desejo e curiosidade dançaram em seu coração, e ele bateu mais forte. Não cabia em seu peito. Queria saltar e ir para lugares onde bateria por outras coisas. Mas, a entidade do medo queria fazer a brincadeira parar. Exigia que o velho fizesse como os guerreiros helênicos que costumavam oferecer holocaustos a Fobos para que não se apoderasse deles na batalha. Para eles, o temor não era a falta de coragem, mas a sensação de segurança que a acomodação parecia trazer. Ao tentar exorcizar Fobos, o velho se deparou com outra entidade, mais forte que qualquer outra que já havia possuído sua alma: a angústia. É mais fácil lutar contra o medo do que contra a angústia, pois o primeiro é um sentimento em relação a algo que se sabe, enquanto o outro é um sentimento que não remete a nada. È um vazio que preenche grande parte da existência. Mesmo quem se cura do medo da morte, sente angústia. Para o medo existem os psicólogos, para a angústia os filósofos... Esses sabem que isso é um mal crônico e seu anestésico se encontra nas mãos dos poetas.
O desejo e a curiosidade falaram mais alto. Depois das tralhas e malas arrumadas, o velho partiu. Quase não se conteve ao atravessar a ponte. Tudo era novo para cada sentido de seu corpo: o perfume das flores que não existiam perto da cabana, o cantarolar dos pássaros, o gosto das comidas das senhoras taberneiras, a suavidade da pele de uma criança e muitas outras coisas adoráveis. No entanto, o que mais lhe tocava era o crepúsculo nas montanhas altas. Nesta hora, o silêncio tomava conta do universo e ele conseguia ouvir a voz de seu amigo rio que há muito havia crescido: não era mais uma criança/riacho. Suas águas não eram mais tão claras e em sua profundidade guardava segredos que jamais se manifestariam em sua superfície. Isso deixava o homem triste. Pensava que seu amigo estava lhe abandonando. Por outro lado, muitas vezes, o sofrimento ensina que a superfície é o lugar mais seguro, ponderou o velho. Seu amigo sofria com a sujeira dos homens e suas indústrias, com o barulho dos navios, com a morte de seus peixes por causa da poluição... Esse era o momento que o rio mais precisava de seu amigo. É na hora que mais segredos são guardados que mais se precisa de amor. O amor limpa a alma...
Assim, velho e rio seguiram sua viagem juntos. Ambos estavam caminhavam para um só lugar. O tempo era curto e o caminho menor ainda. Muitas coisas já não poderiam ser experimentadas. O mundo era muito grande para um caminho/tempo tão pequeno. Ao longe o velho ouviu um barulho forte. Andando um pouco mais, viu muita água e percebeu que seu amigo ia com mais velocidade em direção àquele lugar: o mar. Mergulhou suas mãos no rio e sentiu que ele estava com medo, e sentiu medo também. Suas lágrimas se misturaram às águas: ambos eram um só. Neste instante, em sua mente vieram as lembranças da floresta, lugar para o qual jamais retornariam. Lembrou-se da cabana, das árvores, dos pássaros de sua infância, do riacho, da ponte, dos viajantes... Não havia mais tempo. O chamado que vinha do mar transformava a lentidão das horas no rápido compasso do anoitecer. A brisa fria e a meia-luz davam o tom da última melodia. E foi assim, no andamento crepuscular da existência, que dois amigos mergulharam no infinito... Ali, o velho se tornou criança e o rio se transformou num limpo riacho, e ambos brincaram novamente...
Ao lado da cabana, passava um pequeno riacho com águas tão límpidas que era possível ver os cardumes ao cair da tarde. Para transitar entre suas margens, foi feita uma pequena ponte com o tronco de uma árvore. Além da outra margem passava uma trilha que descia o riacho e sumia por entre a mata fechada. Durante o dia, vários tipos de animais eram vistos correndo em busca de alimento. À noite, sapos e grilos quebravam o silêncio e o velho deixava seu solilóquio para apreciar sua música.
Como nunca havia cruzado a ponte e o mundo do outro lado do riacho era estranho para o velho. Apenas ouvia falar dele pelos viajantes que buscavam informações a respeito das trilhas e acabavam contando várias histórias. Os mais apaixonados contavam das belezas, dos amores, das donzelas, dos sabores... enquanto os desiludidos preferiam falar dos assaltos, dos assassinatos, dos temores... Precavido, o velho sempre optava por permanecer em sua casa. Era mais seguro.
Num determinado dia, os ventos começaram a cantar forte em sua casa. Em suas vozes, melodias de lugares distantes, sonhos de criança que jamais seriam vividos se permanecesse naquele berço eterno. As canções despertaram entidades secretas. Desejo e curiosidade dançaram em seu coração, e ele bateu mais forte. Não cabia em seu peito. Queria saltar e ir para lugares onde bateria por outras coisas. Mas, a entidade do medo queria fazer a brincadeira parar. Exigia que o velho fizesse como os guerreiros helênicos que costumavam oferecer holocaustos a Fobos para que não se apoderasse deles na batalha. Para eles, o temor não era a falta de coragem, mas a sensação de segurança que a acomodação parecia trazer. Ao tentar exorcizar Fobos, o velho se deparou com outra entidade, mais forte que qualquer outra que já havia possuído sua alma: a angústia. É mais fácil lutar contra o medo do que contra a angústia, pois o primeiro é um sentimento em relação a algo que se sabe, enquanto o outro é um sentimento que não remete a nada. È um vazio que preenche grande parte da existência. Mesmo quem se cura do medo da morte, sente angústia. Para o medo existem os psicólogos, para a angústia os filósofos... Esses sabem que isso é um mal crônico e seu anestésico se encontra nas mãos dos poetas.
O desejo e a curiosidade falaram mais alto. Depois das tralhas e malas arrumadas, o velho partiu. Quase não se conteve ao atravessar a ponte. Tudo era novo para cada sentido de seu corpo: o perfume das flores que não existiam perto da cabana, o cantarolar dos pássaros, o gosto das comidas das senhoras taberneiras, a suavidade da pele de uma criança e muitas outras coisas adoráveis. No entanto, o que mais lhe tocava era o crepúsculo nas montanhas altas. Nesta hora, o silêncio tomava conta do universo e ele conseguia ouvir a voz de seu amigo rio que há muito havia crescido: não era mais uma criança/riacho. Suas águas não eram mais tão claras e em sua profundidade guardava segredos que jamais se manifestariam em sua superfície. Isso deixava o homem triste. Pensava que seu amigo estava lhe abandonando. Por outro lado, muitas vezes, o sofrimento ensina que a superfície é o lugar mais seguro, ponderou o velho. Seu amigo sofria com a sujeira dos homens e suas indústrias, com o barulho dos navios, com a morte de seus peixes por causa da poluição... Esse era o momento que o rio mais precisava de seu amigo. É na hora que mais segredos são guardados que mais se precisa de amor. O amor limpa a alma...
Assim, velho e rio seguiram sua viagem juntos. Ambos estavam caminhavam para um só lugar. O tempo era curto e o caminho menor ainda. Muitas coisas já não poderiam ser experimentadas. O mundo era muito grande para um caminho/tempo tão pequeno. Ao longe o velho ouviu um barulho forte. Andando um pouco mais, viu muita água e percebeu que seu amigo ia com mais velocidade em direção àquele lugar: o mar. Mergulhou suas mãos no rio e sentiu que ele estava com medo, e sentiu medo também. Suas lágrimas se misturaram às águas: ambos eram um só. Neste instante, em sua mente vieram as lembranças da floresta, lugar para o qual jamais retornariam. Lembrou-se da cabana, das árvores, dos pássaros de sua infância, do riacho, da ponte, dos viajantes... Não havia mais tempo. O chamado que vinha do mar transformava a lentidão das horas no rápido compasso do anoitecer. A brisa fria e a meia-luz davam o tom da última melodia. E foi assim, no andamento crepuscular da existência, que dois amigos mergulharam no infinito... Ali, o velho se tornou criança e o rio se transformou num limpo riacho, e ambos brincaram novamente...
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